sexta-feira, maio 20, 2005

O homem do laço

Baptista Bastos é um mito... Tenho respeito pelo homem... Além de que ter sempre um laço colado ao pescoço não deve ser muito agradavel... Escreveu um artigo que acho fabuloso e que quero partilhar convosco! Artigo este que só por si é um laço... melhor ..um nó de gravata bem apertado ao governo.. no fundo só lhe falta dizer uma coisa... Quem se lixa é o mexilhão!



Baptista Bastos

Descobriu-se que as contas públicas estão em descalabro. Prevê-se um défice na ordem dos 7 por cento. Em tom constrangido, tudo o que é economista, ou simpatizante, declama que vêm aí tempos de sacrifício. Para quem? Ora, para quem havia de ser? A Banca apresenta lucros astronómicos.
Os Governos mudam e mudam logo de carros, alteram as decorações dos gabinetes, rodeiam-se de oceanos de assessores. Está por fazer o estudo que nos permita saber a soma das reformas dos deputados, a maioria dos quais nunca abriu a boca, durante trinta anos.

Graves editoriais assinalam que o País está a meio passo do abismo. Jorge Sampaio apela para o empenho cívico. Marques Mendes pede «medidas», ignorando que «medidas» toma-as o alfaiate; o que pede é decisões. Sócrates está a reflectir sobre a maneira menos indecente de não cumprir promessas eleitorais. Ruben de Carvalho admite que a esquerda tem poucas possibilidades de conquistar a Câmara de Lisboa. Carrilho deseja fazer do Parque Mayer um jardim que se continue com o Botânico.

As acusações de «tráfico de influências» (ou será «tráfego»?) são tão antigas quanto as suspeitas de corrupção no futebol. Como isto anda tudo ligado, quando se saberá o número de «avenças» auferidas por jornalistas, cujas públicas manifestações de prosperidade estão na razão inversa dos salários que auferem? E que tal tornar-se também públicas a teia reticular de familiares de profissionais de Imprensa no activo e muito zelosos, pertencentes a escritórios de assessoria, aos secretariados e às chefias de gabinetes de muitos governantes?

Mário Soares reafirma que Tony Blair, como «socialista», é uma fraude. Durão Barroso continua às voltas com as acusações de aproveitamento suspeitoso de umas férias oferecidas, graciosa e generosamente, por um bilionário grego, parece que seu amigo de infância. No Iraque, a bomba transformou-se na banalidade de cada minuto. Bush, sorridente e feliz, assevera que a «democracia está a caminho daquela martirizada zona».

As televisões consagram ao futebol a abertura dos noticiários, além de centenas e centenas de horas. O fado conquista novos intérpretes. Fátima atrai multidões congestivas. As televisões, atentas e zelosas, estão aí para narrar os faustos acontecimentos. Os netos de Salazar demonstram-se como tal, sem saber que o são. Os participantes no programa televisivo Um Contra Todos compõem a imagem devolvida de um país em estado protozoário: a sua ignorância causa espasmos no esófago.

Portugal não é, apenas, «isto»; mas «isto» é o relevo que se nos oferece como evidência.

Dois partidos (PS e PSD ou PSD e PS) alternam um com o outro no poder, e alternam, também, em mentir-nos, sem vergonha e sem pudor. Fazem despesas sumptuárias, entregam subsídios vultuosos a empresas desacreditadas e desacreditantes. O desemprego tem sido galopante - e nada acontece. A impunidade grassa, impante e desempenada; ninguém vai preso, ninguém é acusado de indignidade nacional. Como no fascismo, antigos ministros são nomeados administradores de isto & de aquilo.

As famílias portuguesas estão sobrendividadas. Não há projecto de ordenação do território ou, se o há, não é concretizado. Para dez milhões de portugueses construíram-se, ou constroem-se, quinze milhões de habitações. Há advogados a mais e médicos a menos. Todos os anos saem, das faculdades de «comunicação social», cerca de mil e quinhentos «licenciados», que não vão encontrar lugar no mercado de trabalho.

Oitenta por cento dos «empresários» não têm o nono ano de escolaridade. Não sabem usar correctamente o idioma, são muito pouco, ou nada, criativos, e correspondem a uma regressão da história da acumulação primitiva. Para estes, qualquer que seja o modo social de produção, os meios de que se servem são absolutamente irracionais e inconsentâneos com a realidade do nosso tempo.

José Sócrates terá força política e vontade ideológica para enfrentar pelo menos parte destes problemas? Espero bem que tenha.